quarta-feira, 7 de setembro de 2011

ARMADILHA

A discussão estava acirrada. As palavras se batiam e contorciam no ar como bolas de aço: um estrondo. Só não havia tapas na cara por consciente respeito às idéias alheias, mas a vontade era de ser um pouco mais autêntico e estraçalhar alguns sorrisos mofados.
            Gabriela, sarcástica e ferina, bombardeava a paixão, o encontro sem sentido de corpos. O sexo pelo sexo. Coisa de animal, dizia com convicção. Defendia suas filosofias com unhas e dentes, se baseavam em longas leituras e mais longas meditações. Arranhava quando a contradiziam.
            - Paixão causa dor, enlouquecemos, perdemos os parâmetros, não enxergamos a pessoa que a catalisa, na verdade ela se torna um meio e não um fim. Não é importante, embora nos pareça a pessoa mais importante do mundo, única e insubstituível. Por breve tempo, o tempo necessário de provarmos que a conquistamos, um souvenir na viagem dos sentidos.
            Relacionar-se é muito mais profundo do que o breve mergulho na sensação. Sou racional, madura, posicionada. Não me apaixono, escolho. Recuso-me a ser um pedaço de carne pendurado no açougue.
            Cícero colocou sobre a mesa, como sobremesa esperada, seu sorriso de escárnio. Há muito que desejava essa mulher, talvez por se tão teimosa e se valer, era excitante e o deixava ouriçado.
            Ela empurrou o sorriso até que se estatelasse no chão.
            - Não seja ridículo! Nem tenta dizer que sou sapatão. Se fosse não teria pejo algum em mostrar, mas que não me deito com qualquer enxovalhado que apareça, não me deito. Me respeito e não estou nem aí para o que possas pensar. Tu não passas de um saco de porra.
            Talvez ela tivesse razão. Lembrou rápida e vagamente das tantas mulheres que tivera, tão efêmeras quando um aguaceiro de verão. Uma ou outra permaneceram em sua vida até se mostrarem diferentes do menu apresentado: nada de filé mignon, feijão com arroz insosso. Teria começado de forma errada? Se tivesse dado tempo será que...
            Não houve tempo, talvez um breve latejar. Logo as vozes se perderam para o lado. Os dois fingiam discordar dizendo as mesmas coisas. A língua portuguesa possui desvãos que permitem se dizer a mesma coisa de ene maneiras. A verdade rondando sub-reptícia, pincelando de verde o que é amarelo e azul.
            Ele estava encolhido, logo saberia que era uma boa estratégia embora tivesse começado espontaneamente, se sentira pequeno e retirava seu time de campo com delicadeza para não passar vergonha. Não via hora de se livrar dela que metralhava seu sexo físico e espiritual. Era uma intelectual chata e prepotente, carimbara assim dentro dele e quem quer saber de mulher metida a ter idéias? Se quer é uma boa mulher de cama. Parece que Gabriela tinha alguma razão. Ou todas?
            - ... claro achas que estás diante de uma mulher frígida que cheira a absorvente higiênico, limpa e branca como uma propaganda deles. Morro de rir! O que és? Uma criança? Um éfebo?
            Ele não coçaria a cabeça com ar de dúvida de forma alguma. Saco! Não podia falar mais fácil? Agora teria que fazer de conta o entendimento que não veio. Disfarçou, chamou o garçom, pediu outro chope, melhor sair cambaleando do que entregar os pontos. Era uma bruxa, a bandida.
            -É antropológico. – arriscou na esperança de falar bonito.
            Ela concordou e acrescentou que sim, era uma questão cultural, podia ser mudado se as mulheres não se preocupassem tanto com o batom e mais com a cabeça. Cabelos são bonitos e sedutores, mas cansam se não têm nada sob ele.
            Cícero imaginou que se ela fosse nadadora, seria uma campeã, tinha um fôlego dos demônios. Não sabia por que ficava ali sentado, grudado nas palavras e quase não ouvindo nada. O perfume talvez? Qual seria? Um aroma exótico, vermelho. Uma sensualidade que o atava e fazia a vontade escorregar. Um jogo que o prendia sem esperar o final desejado ou já sabendo de antemão qual seria?
            Ela jogou a carta sobre a mesa, sem aviso, quase bateu na cara dele. Segurou forte, tinha acabado de afirmar que mulheres cultas não têm tempo para sexo infantil, pensam demais e estão acima de tudo. A risada dela foi um ás de ouros:
            - Cuidado, podes te enganar...
            Foi a deixa para o assunto virar de ponta cabeça, rodopiar sobre si mesmo e se deitar nos olhares e nas pernas que se tocaram. Cícero sentiu os pelos dos braços levantarem como leões e bater em seu sexo igual sino de igreja avisando incêndio. Calma, sugeriu a si mesmo e arrastou a cadeira mudando as posições dos amigos, obrigando todos a um “chega prá lá”
            Os olhos de Gabriela se divertiam, tinha fisgado um bobo e gostava desse brinquedo. Todo caçador um dia caça é.
            Ele foi sinuoso, cobra mandada. Então quer dizer que também pensas em sexo? E como é? Precisa pedir com licença? Chegar de fraque?
            Ela o puxou pela gola da camisa e passou a mão em seu peito, sussurrou ao ouvido: Gosto assim. Sentiu os mamilos enijecidos.
            - Vou te beijar aqui, na frente de todo mundo. Um beijo longo e molhado, farei com que caias no chão.
             Risada escarlate, já tinha lido isso em algum lugar, frase mais idiota, mas riu assim mesmo, já esquecida de Cortázar, Saramago e todos seus outros amantes que não podiam lhe passar a mão áspera. O riso terminou dentro da boca de Cícero. Quanto tempo? O suficiente para os amigos baterem palmas e cansarem de bater.
            Algum disfarce ainda foi tentado, bolhas de sabão estourando no ar. Estavam presos aos olhos um do outro, às mãos, agora impacientes, e ao centro do corpo que latejava esquecendo o vernáculo, as palavras são tão simples no sexo! Ai! Vai! Fui! Hã! Precisa mais? Palavras mais sábias, descritivas e empolgantes não há.
            Ele reafirmou sua masculinidade trazendo a mão de Gabriela sobre seu membro rijo, exigente. Esqueceu as diferenças, se impôs macho que era. A erudição liquefeita no espasmo do prazer cavalgando as torções dos corpos que procuravam abrigo.
            Ele levantou puxando-a para um canto retirado. Todo mundo fez de conta que não entendeu, nem viu nada. O garçom ficou feliz com a gorjeta gorda e virou escudo.
            Cícero viajava uma aventura em camelo, inusitada e desértica de experiência.
             Cenas de sexo... Serão mesmo sempre as mesmas? Ou tem cheiro de novidade a cada vez? Perdi a racionalidade... Últimos pensamentos de Gabriela.
            Agarrou-se ao homem, louca de fome e sede e ele não se negou a ser vinho e pão.
            Vira e ela sentiu o corpo vibrando, o impossível acontecendo num chão de bar, na sem vergonhice da paz do sexo.
            Dedos que destrincham caminhos, se tornam únicos e para sempre a primeira vez.
            O bar falava alto para encobrir o que não deve ser partilhado em palco, mas vivido no escuso da coxia. O entusiasmo quebrando as barreiras e a liberdade abrindo suas divinas asas num pedido de entra, vai, vem, deixa, aqui, gosto, gozo, ai, juntos, mais. Descanso.
            Uma conversa ao pé do ouvido lambido, penetração auditiva e o corpo dizendo que estava pronto, vamos, vem comigo, de que jeito? Na boca, nos seios, o sêmen, creme hidratante. O domínio. De quem sobre quem? Entrega, doação, margem, rio sem fundo, poço, mergulhos, retorno, onda, espasmo. Navegamos.
            Afinal estão prontos. Gabriela puxa as palavras, as filosofias, se veste com elas e beija a boca que a pouco a desnudou de tudo. Ele se certifica que mulheres inteligentes têm vida no meio das pernas.
            Encontro, pensa Cícero.
            Armadilha, ela sussurra.
           

Nenhum comentário:

Postar um comentário