quarta-feira, 15 de junho de 2011

O RIDÍCULO ESPELHO


O RIDÍCULO ESPELHO


hoje, o espelho é o monitor...
onde nos vemos e procuramos o outro.
-Inácio Carreira-


                Como são ridículas as histórias de espelho, velhas e mofadas. Lembro-me de Caio Fernando Abreu e seus Morangos Mofados, da bruxa da Branca de Neve, O Espelho Não Mente, Através do Espelho e por aí vai espelhando gente que a última coisa que faz é olhar para si mesma, precisa desse reflexo sem nexo. Até eu já fiz contos com espelho. Vira, mexe e lá está ele: O Fatal.
            Clarice pensava isso de forma nem um pouco clara, afinal estava na frente do espelho e não gostava do que espelhava: cara cansada, olhar de ontem, a cabeça numa rotação de 180º. Bom olhar as costas, nela se refugiavam as marcas do acontecido sem as linhas do desassossego, dos vasos quebrados e dos achados e perdidos. Podia pensar que eram apenas costas, nada mais. Coisas simples fazem falta, aliviam os estrovengos, berrantes pensamentos.
            Espelhos não falam, não tem boca azucrinando. Era bom não ter retruques te dizendo quanto és torta e tua escolha é atravessada. Por outro lado os sons caninos eram os únicos que acompanhavam seus dias. De vez em quando precisava do silencio do espelho, pelo menos podia fantasiar que ela era outra, nunca “a” outra. Dessas queria distância, já apanhara o bastante nesta estrada de mão única+.
            Digam o que quiserem, mas viver sozinho pode ser uma barra pesada muitas e muitas vezes. A verdade que é tudo igual: viver numa república ou no “só eu”, vezes ótimas e vezes chatas, outras revezes. O certo mesmo é que moramos com o que houver dentro do espelho. Não pensaria espelho da alma nem morta, muito menos teus olhos são espelho e outras babaquices desse tipo.
            Espelho não passa de um revestimento refletor de baixa transmissividade, sobre o substrato e uma camada opacificante, a qual é disposta sobre o substrato de vidro. Copiado da Internet, não dá para entender nada, espelho é essa coisa simples para a gente se ver e complicadíssimo em palavras, portanto não adianta inventar coisas extra sensoriais, só veremos dois olhos (se não for caolho), um nariz e uma boca, bonitos ou não, ou depende do dia e do humor.
            Pera aí... Fácil de um lado... Complicado por outro... Isso me soa conhecido, tal qual imagem refletida. Melhor não viajar, espelho do outro lado não é espelho. E acabou.
            Foi nesse momento que o computador quieto se manifestou. O MSN soou alto e claro num apelo inescapável. Quem seria? Tomara fosse o milagre. Correu.
            A tarja alaranjada piscando, lembrava luzes do além. Abriu a janela e a mensagem do amigo distante falava de saudades e pedia notícias. Sentou-se e dá-lhe papo. Coisas bobas, invencionices que se pode por no PC sem que ninguém se incomode muito, afinal, fosse quem fosse, não podia ver-lhe a cara amassada, as olheiras invadindo o rosto e nem suspeitar da noite rola enrola que tinha tido.
            Gente era tão bom! Falar mesmo abobrinhas era a coisa mais calorosa que encontrava nos dias espectrais. Depois chamou um e outro, foi se aquecendo, o espelho desmaiando, declarou seu amor ao Facebook, cantou a plenos pulmões com o Youtube, bateu grandes papos num chat. Enviou recados para conhecidos desconhecidos através de várias comunidades.
            Teve as respostas esperadas, outras nem tanto, os desesperados estavam a postos frente à telinha e garantiam a corrente de sons imaginários. Olhou fotografias no Google como se tivessem enviado para ela, ou se ela mesma fotografasse. O mundo encheu-se de vozes e vai-vem, luzes, sons, compartilhamento. Quase se esqueceu de almoçar, lembrou por que a amiga avisou que ficariaoff, a família devia estar à mesa.
            Foi cantarolando ver se haveria algo surpreendente na geladeira. Batatas pré-fritas, ou hambúrguer congelado. No caminho passou pelo espelho, pôs a língua para ele como criança birrenta.
            - Estás vendo, doutor ridículo, não preciso de ti.
            Não se viu de costas, a cabeça estava no lugar, portanto não podia perceber a contração dos músculos que acompanhou seu desaforo.


                                                                                                                              Vana Comissoli



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